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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A polvo, o cobra e a vaca interior

Reparou como mulheres conseguem se dedicar a várias coisas ao mesmo tempo? E como homens são objetivos e “mono-processamento” ? Reparou como mulheres precisam falar o tempo todo? E como homens preferem agir a falar e, aliás, preferem não falar quando estão resolvendo algum problema? Resquícios de um tempo em que as mulheres ficavam nas aldeias, em grupos, coletando frutas e cuidando das crianças, atividades que exigiam sociabilização e comunicação constante, além da capacidade de realizar múltiplas tarefas. Enquanto isso, os homens saíam para caçar, atividade que exigia silêncio, concentração, foco e decisão.

Em “Homem Cobra Mulher Polvo”, Içami Tiba brinca com estas e outras diferenças entre homens e mulheres. Li este livro há algum tempo e ri muito, me vendo (e vendo aos outros) nas situações ilustradas. Vivo folheando e relendo partes dele e, ainda hoje, não dá pra evitar achar graça.


A explicação a respeito do por que homens nunca encontram nada na geladeira é ótima: homens têm visão tubular, ou seja, vêem o mundo como que por um tubo, enxergando um item por vez. Quando abrem a geladeira, vêem a manteiga, em seguida o requeijão, depois a geléia, depois as maçãs e assim sucessivamente. Quando comentei isso com meu marido, rindo, ele me olhou meio surpreso e perguntou “ué, mas como é que você vê a geladeira?”. “Vejo a geladeira toda, oras. Ela não é tão grande assim!”, respondi eu, na minha vez de ficar surpresa. Não é estranho isso? Que dois seres humanos enxerguem o mundo de forma tão diferente, a começar pela geladeira???


E por que Mulher-Polvo e Homem-Cobra? É uma forma de ilustrar a capacidade da mulher de lidar com várias coisas ao mesmo tempo, como se tivesse tentáculos. Com um tentáculo, gerencia a vida profissional, com outro, cuida da casa e lida com empregados, depois, tem um tentáculo para cada filho, mais um para lidar com a escola, mais um para o marido e assim vai. Enquanto isso, o Homem-Cobra foca em um assunto por vez, mas lida com cada um deles de forma muito mais direta e objetiva. Uma vez tomada uma decisão, o cobra dá o bote e resolve. E pronto.


Numa primeira lida, quase dá a impressão de que o livro é mais elogioso para as mulheres. Mas uma leitura mais atenta mostra que aquilo que falta às polvos, os cobras tem de sobra. E vice-versa.


Uma situação que normalmente anula o poder de multi-tarefas da polvo é quando uma criança faz birra. Aquela cena que todo mundo já viu num shopping: a criança berrando, se jogando no chão, batendo o pé e a mãe meio apatetada, sem saber se dá bronca, se põe de castigo, se ignora ou se grita mais alto. Porque ela tem uma “coisa” com a prole, com seus filhinhos lindos e perfeitinhos. Uma birra a deixa perdida porque seus genes gritam para que ela conforte a criança. Por outro lado ela sabe que se não a contiver firmemente, a criança pode acabar se machucando. Por outro lado ainda ela precisa cessar a crise, para que ninguém pense que seu filhinho é mal-educado. Mas gritar é feio e todo mundo vai olhar. Enfim, não sabe o que fazer. Daí vem o homem-cobra. Ele vê o problema: a birra. A solução: restabelecer a paz. Ele dá o bote: pega a criança pelo braço, dá uma bronca, põe de castigo por um mês, decreta que o passeio acabou e leva todo mundo embora. Fim do problema. O máximo!


*

E a Vaca Interior, gente? Ou em inglês, the Inner Bitch.

Você já se viu concordando com uma coisa que não estava a fim de fazer porque não queria ser chata? Ou se viu ajudando gente que claramente não merece porque você é boazinha? Ou pedindo desculpas por algo que não era sua culpa? Então, nestes momentos você está sendo vitimada pela bondade tóxica. A Bondade Tóxica atrapalha sua vida, causa stress e esgotamento e tem pouco a ver com bondade genuína.


A Bondade Tóxica normalmente entra na vida das mulheres já na infância, quando ouvimos incessantemente a informação de que devemos ser boazinhas. Papai Noel só traz presentes para crianças boazinhas. Porém, se um menino bonzinho é aquele que simplesmente não faz maldades (muito embora seja levado como só), uma menina boazinha é aquela que sempre se comporta e obedece. É aquela que cede a vez, que não briga, que não discute, que ajuda sempre, que fala baixo e é cordata. Uma chatice, enfim.


Mas uma chatice que cola. Porque a medida que o tempo passa, mesmo percebendo que não é verdade que as meninas boazinhas sempre se dão bem, afinal como todos sabemos, good girls go to heaven, bad girls go everywhere, continuamos apegadas à Bondade Tóxica. E como se livrar dela? Fortalecendo sua capacidade de dizer “I don’t think so” ou “Acho que não”, como foi traduzido.


Tradução da qual discordo. Na minha modesta opinião, uma tradução mais apropriada seria “nem pensar”. Veja o contexto. A vizinha da prima da sua meio-irmã vai viajar por 30 dias e pergunta se você poderia ir até a casa dela, todos os dias, alimentar seus 5 pit bulls. Em inglês você responderia “I don’t think so” e esta seria uma boa resposta. Doses ideais de assertividade e sarcasmo. Mas em português, “acho que não” dá um sentido de dúvida, de incerteza, de insegurança. Eu, no lugar da vizinha da prima da meio-irmã ia achar que era um sim. Afinal, a figura já não tem mesmo muita noção, né? Acho que “nem pensar” é uma tradução mais apropriada. Um pouco mais assertiva do que irônica, mas serve. Talvez, “nem f*dendo”, mas vamos ficar com “nem pensar”, vai. Pode ter criança lendo.


Em “Descubra Sua Vaca Interior”, Elizabeth Hilts sugere que você fortaleça sua vaca interior pela repetição do mantra “nem pensar”. Você pode vir lavar meus banheiros no final de semana? Nem pensar. Você pode ceder sua vez na fila, estou com pressa? Nem pensar. Você pode trabalhar 50 horas extras sem remuneração? Nem pensar. Por estas 3 fases já deu pra sentir o poder do mantra, não deu? Já deu pra ver o quanto este mantra pode evitar que você seja usada, manipulada e explorada e que se sinta injustiçada mais tarde.


Começar a usar o mantra pode ser difícil. A maioria de nós se habituou a ser uma boa menina. O livro diz: insista. Nas primeiras vezes, você dirá “nem pensar” com mãos geladas e pernas tremendo. Mas com o uso, você começará a experimentar o prazer de ver pessoas folgadas e egoístas sendo devidamente colocadas em seus lugares. Com o tempo, a vaca interior estará forte e poderá mantê-la a salvo dos males da bondade tóxica, você estará mais apta aconquistar o que quer, porque se dará o direito de saber o que quer. E será uma mulher mais poderosa!



3 comentários:

Unknown disse...

Delícia de texto.

Tatini disse...

Acho que a mulher-polvo também aprende com a vida a criar novos tentáculos ao se deparar com apalermados, não? rs
Quanto à vaca interior, gente, eu não tinha a menor noção do quanto sou uma mini-fazenda aqui dentro deste ser tão pequeno!
Sexo frágil porém versátil e animalístico, hein!

Kelly disse...

Shi, que bom que gostou!

E Tatini, somos poderosas!

:)