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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Coisas que li - parte 5

Eu tinha dito que ia dar um tempo na temática árabe/talibã, depois de ler O Caçador de Pipas e A Cidade do Sol. Mas fazer o quê? Estou eu na livraria olhando aqui e acolá quando um livro chama minha atenção. Persépolis, de Marjane Satrapi. Abro o livro. É uma história em quadrinhos. Começo a ler e não consigo parar. Irresistível.
Persépolis, que virou uma animação e ganhou o prêmio do juri em Cannes, conta a história da própria autora, Marjane Satrapi. Filha de pais cultos e politizados, Marjane (ou Marji) vive todas as mudanças impostas pela revolução islâmica. De um dia para o outro é separada dos amiguinhos do sexo masculino e obrigada a usar véu. Marji tem grandes ambições: quer ser profeta e salvar o mundo. Quer ser a Justiça, o Amor e a Ira de Deus, com quem conversa todas as noites. Ama seu tio, que ficou preso durante 9 anos por ser comunista. E é a última pessoa a falar com ele, antes de ser executado.
Pelos olhos dela, vemos a descoberta do que há de pior no ser humano. Relatos de torturas, de perseguições, de injustiças, traições e preconceitos. Porém, o fato da ótica ser infantil ameniza o impacto. Relatos das pequenas coisas do dia-a-dia vão mostrando uma situação que vai se tornando cada vez mais opressiva e insustentável. Comprar pôsteres, ouvir música, usar tênis, tudo isso são coisas arriscadas, passíveis de prisão.
Num certo ponto você se pergunta por que raios eles não fogem. Por que não buscam asilo político? A resposta vem num diálogo entre os pais de Marji. A mãe levanta a questão de que eles talvez precisem fugir, como boa parte de sua família e de seus amigos. E o pai responde "Para eu ser motorista de táxi e você empregada doméstica? Não.". Faz sentido. É mais fácil fugir quando você não tem nada a perder. A família de Marji tem uma boa situação financeira. E esta possibilita que mandem Marji para estudar na Áustria aos 14 anos, quando sua rebeldia começa a se tornar um risco real.
E então, por um lado alívio pela liberdade. Por outro, as dores da adolescência somadas às da solidão e do exílio. Imaginem o que é ter 14 anos e se ver sem os pais pela primeira vez, em um país estranho, sem falar a língua local e com um abismo cultural separando-a dos demais adolescentes.
Uma coisa interessante é ver a capacidade de adaptação das pessoas a situações limite. Em meio a tantas proibições, ainda assim acha-se espaço para a alegria. Laboratórios caseiros produzem vinho. Na faculdade de belas artes não é permitido o uso de modelos humanos. Solução: a turma se reúne na casa de alguém e, janelas fechadas, um posa para o outro.
Marji consegue viver sua vida com integridade e sendo leal a si mesma, apesar das pressões para ser diferente, para se adequar em nome da segurança. E nesta história toda, é admirável a postura de seus pais. Eles deixam que ela viva com toda a liberdade. Eles permitem que ela faça suas escolhas e corra seus riscos. Eles a incentivam. E, ao mesmo tempo, a protegem.

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