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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Quando Nietzsche chorou (e eu também)

Imagine Nietzsche conversando com Josef Breuer, médico vienense cuja amizade com Freud deu forma a psicanálise. Imaginou? Imagine ainda que esta conversa seja sobre as angústias de Nietzsche, seus medos, dúvidas, inseguranças. Imagine também que, para poder ajudar Nietzsche o próprio Breuer exponha seus medos e angústias. Parece bom, não é?
Eu também achei. Até relevei o fato de que tal conversa muito provavelmente nunca ocorreu de verdade (pelo menos não consta da biografia de nenhum dos dois). Ou seja, trata-se tudo de uma grande licença poética tomada por Irvin Yalom em prol de uma boa história.
Mas, e aí temos um grande "mas", a idéia toda não decola. Motivo: falta de angústias adultas e que possam ser levadas a sério. Explico. No final das contas e muito resumidamente a grande angústia de Nietzsche é só e tão somente medo de ser traído. Isso mesmo. A grande angústia do maior filósofo do século 19 é.... medo de ser corno. Conversa vai, conversa vem e o que fica cada vez mais claro no livro é a paixão de Nietzsche por Lou Salomé. Nietzsche a pede em casamento, ela diz não (afinal casar é uma coisa muito burguesa), Nietzsche fica deprimido e angustiado e reage afastando e ofendendo Lou Salomé. E não, Nietzsche não tinha 15 anos na época.
Se Nietzsche sofre de dor de corno, doutor Breuer sofre da síndrome do tiozão. Ele tem lá seus 40 e poucos anos, casado, 3 filhos, esposa bonita e compreensiva. Mas se sente intimidado pela mulher e desenvolve paixonites por suas pacientes jovenzinhas e desequilibradas para fugir dos problemas domésticos. Uma delas o chama de "paizinho". E ele gosta. Sério. Verdade. Ele sofre porque se sente ligado a uma paciente chamada Bertha que encontra-se claramente perturbada. Ele se encanta pela fragilidade e dependência de Bertha, depois se encanta pela juventude e ousadia de Lou Salomé, depois se encanta pela liberdade de Nietzsche. Se a história se passasse nos dias de hoje, doutor Breuer compraria uma moto e faria uma tatuagem e um pírcim.
Fiquei o livro todo esperando uma reviravolta, a revelação de uma grande angústia existencial debaixo de toda esta bobagem adolescente. Mas nada. Era só isso mesmo. No final, Nietzsche chora e reconhece sua dor. Breuer o convence de que corno não existe, é só uma coisa que puseram em sua cabeça. Breuer reconhece que Bertha tem problemas sérios, que a culpa por suas insatisfações não é de sua família e resolve investir no seu relacionamento com a esposa. E fim.
No final das contas, fico aliviada de que este livro é ficcional. De que toda esta bobagem nunca aconteceu. Assim posso seguir admirando Friederich Nietzsche.

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