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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O dedo acusador

Nos últimos meses vimos em São Paulo algumas tristes ocorrências de trânsito que resultaram em mortes. Tristes e lamentáveis. Mas entre fotos chocantes, detalhes espantosos e situações inexplicáveis, o que mais me impressionou foi a rapidez e a paixão com que pessoas completamente desconhecidas tomaram lados e atiraram acusações. “É lógico que ele estava bêbado”, “claro que ela estava correndo”, “essa gente privilegiada se acha dona do mundo” e outras afirmações do gênero, todas cheias de certezas. E preconceitos.
Percebi nessas acusações um certo viés social, já que os carros envolvidos nessas tristes ocorrências eram “carrões”. Parece que um proprietário de, digamos, uma BMW, tem menos direito de se envolver em um acidente do que um proprietário de um Celta, por exemplo. E, caso se envolva no acidente, ele tem muito mais “jeito” de culpado do que o dono de um veículo mais modesto.
Alguns comentários precipitados que ouvi chegavam a invocar uma certa justiça social. “Grã-fino que dirige bêbado tem que ir preso”, “filhinho de papai já ligou logo pro advogado”, e outras pérolas. Estranho é que existe um consenso de que é errado dizer que alguém é isso ou aquilo apenas porque ele se veste mal ou não ostenta símbolos de poder. Porém, parece aceitável chamar alguém disso ou daquilo por se vestir bem ou possuir um carro de luxo. Como se ter dinheiro e usufruir dele fosse errado.
Até as leis da física foram invocadas! “É claro que ele está mentindo. Ele estava bêbado e correndo, senão, pelas leis da física, seria impossível que o acidente ocorresse”. É reconfortante saber que professores de física e demais estudiosos desta matéria jamais se envoverão em acidentes, não é mesmo?
Houve um acidente. Claro que houve erros. Claro que faltou atenção ou cuidado. Mas como é possível, só de ler a manchete na revista, concluir com tanta certeza que existe um único culpado, ou que houve negligência, ou que houve intenção. Não estou aqui afirmando que a culpa foi daquele e não deste, nem que não houve negligência ou desatenção. Estou apenas ponderando que não é possível concluir nada somente lendo algumas linhas num jornal. Para isso existe a investigação, conduzida por profissionais qualificados.
De qualquer forma, mesmo sem embasamento nenhum, as pessoas parecem se sentir impelidas a tomar lados e a acusar. Ah, acusar parece tão bom, um verdadeiro alívio dentro de uma vida de incertezas. Porque quando estou acusando, mostro que sou muito melhor do que o outro, estou muito longe de suas imperfeições. Eu, acusadora, jamais seria tão tola, ou negligente, ou egoísta. Será mesmo?
Há quase 20 anos me acidentei no trânsito. Eu estava na Marginal Tietê as 18:00. Quem vive em Sampa sabe que é impossível correr na Marginal neste horário. O esquema é ponto morto, primeira, ponto morto, primeira. Pois eu estava lá. De repente, minha fila andou. Engatei a primeira, a segunda e.... fui abalroada por um caminhão que resolveu mudar de faixa. Ele não me viu, eu devia estar em seu ponto cego. Nenhum de nós devia estar sequer a 30 km/h. Portanto, não sei explicar como, pelas leis da física, eu rodei na pista e cruzei a marginal, indo atingir o guard-rail e outro carro que não conseguiu parar. Não faço a menor idéia. Só sei que aconteceu. Felizmente, ninguém se machucou. Felizmente, tenho testemunhas quanto a meu estado e a como tudo aconteceu. E, felizmente, meu carro na época, um chevetinho 83 caindo aos pedaços não despertou a ira acusadora de ninguém. Caso contrário, se eu tivesse o carro dos meus sonhos, teria sido um consenso: aquela filhinha de papai, egoísta e mimada, só podia estar bêbada e correndo. Certeza.

Um comentário:

je disse...

Olá!

Estou recomeçando e precisando de incentivo..

Parabéns pelas conquistas!

Bjs