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sábado, 3 de novembro de 2012

Revolução de um homem só

Eu já quis mudar o mundo. Eu tinha 15 anos e me achava onipotente e onisciente. Eu sabia o que era O Certo. Eu ia convencer o mundo do que era O Certo. Nós todos faríamos O Certo e o mundo seria um lugar perfeito. Seria A Revolução. Bastava que o mundo me ouvisse. (pausa para rir, rolando no chão e segurando a barriga). Porque nós (eu, mais quem concordava comigo, que eram os "do bem") estaríamos Certos. Era apenas uma questão de bom senso. A oposição, as pessoas más que queriam o status quo, os retrógrados, as figuras de autoridade seriam todos derrotados pelo poder da razão, mesmerizados, seduzidos pelos nossos argumentos incontestáveis. Seria uma revolução, embalada a rock´n roll e regada a coca-cola, nossas únicas concessões ao malvado imperialismo ianque.

Bah, Che!

Felizmente o tempo passa. Felizmente as coisas mudam. Felizmente os hormônios pululantes da adolescência se aquietam e surgem gloriosos a Noção e o Senso de Realidade.
Cresci (figurativamente falando, claro). Entendi finalmente o que era direita e esquerda e constatei assombrada que eu definitivamente não era de esquerda. Não, não, não. Eu creio no liberalismo e no mínimo possível de intervenção estatal. Coisas que, antigamente, me pareciam medidas de proteção, passaram a me parecer paternalismo barato e condescendência. Isso, caros, é direita. Centro-direita, na verdade. Isso é mais ou menos como dormir corintiano e acordar se descobrindo palmeirense. Um pesadelo dentro de outro.

Esquerda. Direita. Ih, peraí.

Meus heróis não morreram de overdose. Eles ganharam o poder. E se tornaram tudo aquilo contra o qual vociferavam. Porque essa gente não fala: vocifera, para mostrar paixão e certeza certa total e absoluta dicumforça.

Sou herói. Atente pra cueca por cima da calça.

Daí, vc pode achar que eu me desiludi, resolvi me alienar e cuidar da minha vidinha pequeno burguesa (para falar "pequeno burguesa" você precisa mastigar as palavras para dar a correta entonação de desprezo; se sobrar saliva na sua boca, essa é uma boa hora para cuspir. Siga este mesmo procedimento para falar "classe média", "autoridade"  e "mídia").

Eu, cuidando da minha vidinha pequeno burquesa. 
Mas não. Não houve desilusão. O que houve foi um clareamento da observação. Uma observação desapaixonada. Percebi que, ao contrário do que sempre tinha acreditado, não foram as revoluções que mudaram o mundo. Isso é ilusão. Isso é tentativa de se endossar a própria crença. O que mudou o mundo foram as pessoas, mudando individualmente e de forma privada, e não seguindo um grande movimento revolucionário maior. A Revolução Industrial transformou os meios de produção. Mas para que ela se fizesse necessária e possível, as pessoas mudaram antes. Antes da Revolução Industriual, antes da Revolução Francesa, as pessoas foram transformando seus pensamentos, dia a dia, silenciosa e sutilmente, enquanto lavavam roupa, cortavam lenha, cuidavam dos filhos. Daí, surgiu um revolucionário qualquer, pegou a onda e fez a fama. Sempre foi assim. Avançamos lentamente, a passo de lesma manca, mas de forma perene e independente. 

Ô Zé, falta muito pra inventarem o fim de semana?
Não levanto bandeiras. Não defendo causas. Não tenho causas. Faço o que acho certo, independente da linha ideológica da coisa. Procuro ajudar quem está do meu lado e acredito que, se cada um fizer isso, não será preciso liderar um movimento para salvar os esquimós albinos ambidestros do noroeste da Finlândia. De preferência, tento ajudar da forma mais imperceptível possível porque detesto barulho.
Acredito no mundo. Acredito que ele funciona de forma absolutamente perfeita. Acredito que desde o início da vida na Terra, civilizações nasceram e morreram porque assim tinha que ser para a evolução. Assim será com nossa civilização e assim será com os esquimós albinos ambidestros do noroeste da Finlândia. Não importa o quanto eu crie, fomente, curta, endosse revoluções, as coisas sempre acontecerão exatamente como devem acontecer.
Oi. Sou o Mundo. Sou perfeito. Para de encher meu saco.

Sou uma pessoa crente. Acredito em Deus, em Jesus, em Buda, em Maomé, em Krishna, em Xangô, em Alá, em Tupã, em Odin, em Ceridwen, em Ganesh, no papai-noel, no coelhinho da Pascoa, na fada do dente, no saci e no boitatá. Acredito em tudo até prova em contrário. Só não acredito em ateus militantes porque tamanho empenho em provar que nada existe, me soa mais como um "por-favor-me-prova-que-eu-to-errado-quero-tanto-acreditar-em-alguma-coisa". Mas, na boa caro ateu, vc tá sozinho nessa: se quiser acreditar em alguma coisa, será por seu próprio mérito pois no que depender de mim, não farei nada para convencê-lo do que quer que seja. Primeiro, que eu acho isso invasivo. Segundo que eu não ganho pra isso. Terceiro que isso é chato pra chuchu.

Gente, pela última vez: sou Atena, nasci adulta e armada da cabeça do meu pai. Qual a dificuldade de vcs?

Procuro acreditar nas pessoas. Isso é um tantinho mais difícil pruma criatura desconfiada como eu, mas faço um esforço enorme pra não ficar achando que todo mundo é idiota e que eu preciso dizer o que elas têm que fazer. Porque ninguém é idiota. Quem faz bobagem, no fundo, no fundo, sabe muito bem o que está fazendo e faz porque quer. Todas as pessoas do mundo são perfeitamente capazes de ler jornais, revistas, ver tv e sites de notícia, sem que eu precise destilar minha sabedoria e mostrar as contradições e manipulações. Todo mundo sabe. Quem é enganado o faz porque quer. Essa foi a observação mais difícil para eu engolir, mas preciso reconhecer que é verdade.
Sou ovelhinha, mas a culpa não é da mídia malvada.


Assim sendo, se o mundo gira direito, do jeito certo, sem que eu precise mandar, e que as pessoas sabem o que estão fazendo sem que eu precise orientá-las e que tudo será como tem que ser, o que me resta fazer?

Pausa para pensar.....

Nossa, tanta coisa. Mudar o mundo não é nada. É molezinha. Difícil, mesmo, é me transformar numa pessoa melhor.Voltar meu olhar julgador pra dentro de mim mesma, reconhecer e entender minhas fraquezas, meus erros, minhas feiúras, AMÁ-LAS e tranformá-las em qualidades. Procurar entender e aceitar meus desafetos, reconhecer neles um espelho que mostra minhas costas. Perdoá-los e amá-los com sinceridade. Facilitar e melhorar a vida das pessoas que me rodeiam. Agir de forma transparente e correta. Domar a ira, sem sufocá-la. Tratar o medo com doses maciças de fé todos os dias. Amar sem dominar. Ser livre, sem esquecer do próximo.

Ás vezes é tudo tão difícil e tão doloroso que quase dá vontade de vestir uma causa qualquer e defendê-la com toda paixão. Mas não me engano. Se quero um mundo melhor, preciso mudar a mim mesma e deixar que cada um mude quando e como quiser.