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segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Federal 1987

Sabe quando você sabe que é feliz? Pois é.... era eu no colegial.
Não que eu não fosse feliz antes ou depois, mas é que eu tinha a consciência de que aquele momento era especial.
Quem estudou lá sabe.
Eu tinha acabado de sair de uma escola estadual muito ruim, na qual havia estudado minha vida toda. Não havia biblioteca. Nem vestiário. Mal tinha banheiro. Mas o que doía mesmo era não ter biblioteca.
E fui para a Federal. Escola Técnica Federal. Curso Regular de Processamento de Dados. Tive que estudar pela primeira vez na vida. Tomei notas vermelhas pela primeira vez na vida. Quase fiquei de recuperação. E tive acesso a uma biblioteca, a vestiário, semana cultural, olimpíadas escolares. Professores que instigavam, provocavam, empurravam a gente ladeira acima. Professores malucos, visionários, geniais.
Tive 4 anos de matemática, tive cálculo financeiro, desenho técnico, contabilidade, projetos, insônia e ansiedade.
Vivi o clima de faculdade quando tinha apenas 14 anos, sabe lá o que é isso?
Tínhamos liberdade de ir e vir, e éramos cobrados como profissionais.
É tanta coisa a dizer sobre lá, sobre aquele tempo, que sei que estou me atropelando toda.
Mas vamos por partes.

Mestres e mestras
Podíamos faltar. Ninguém corria atrás de alunos gazeteando. Mas havia controle de faltas. Havia um número máximo de aulas que o sujeito podia matar. E éramos cobrados pelo programa de aulas. E como éramos.
A avaliação era a critério de cada professor. E tínhamos professores, normalmente os mais exigentes, que davam prova com consulta ou para fazer em casa. Inicialmente, bobinhos que éramos, achávamos que ia ser moleza. Mas depois da primeira prova com consulta, ficávamos mais espertos. Prova com consulta não era sinônimo de autorização para usar cola. Era sinal de que a prova ia exigir análise e compreensão. Significava que, se você assistiu a aula só de corpo presente e depois decorou o livro, não vai conseguir responder às questões.
Tínhamos professores brilhantes, inesquecíveis, que faziam uma cambada de adolescentes de 15 anos sentirem prazer em assistir 4 aulas seguidas numa tarde de sábado. Caso do Renato, de Técnicas de Programação. Ensinar um bando de adolescentes indisciplinados (redundância...) a organizar o pensamento de forma lógica já não deve ser coisa das mais fáceis. Fazê-lo de forma divertida, então, beira o impossível. Mas o cara conseguia.
E o Sergio, nosso professor de Cobol? Deficiente visual de nascença, memorizava nossos programas, ditados, e apontava os nossos erros com precisão humilhante. Detectava a bagunça antes que tivéssemos oportunidade de começar, percebia quando alguém abria um pacote de biscoitos no fundo da sala e descobria fácil fácil qaun do alguém tinha a cara de pau de copiar o programa de outra pessoa. E isso, no meio de 40 programas.
E tivemos professores odiados, temidos, incompreendidos. Lembro da Marta, especialmente odiada e temida. Quando um garoto disse a ela "puxa professora, eu me esforcei tanto...." ela simplesmente respondeu: "quem se esforça é burro.Quem é bom vai lá e consegue.". Na época, ficamos indignados. Hoje, 20 anos depois, vejo que ela estava apenas constatando o óbvio. O mundo não é sempre justo e só tentar não significa sucesso. Isso certamente não estava no currículo, mas ela ensinou assim mesmo.

E mais
Lembro do meu walkman tocando INXS, Pink Floyd, Whitesnake, Deep Purple, The Cure, U2. Eu sentada num banquinho assistindo o treino de basquete, de rugby, de futebol. Lendo Bizz, Trip e Mad. Lembro do mainframe que tínhamos na escola, um Burroughs 1900, apelidado carinhosamente de Cabeção. Lembro da Semana Cultural, uma semana inteirinha sem aula, mas com presença obrigatória em palestras. Tinha de tudo, inclusive astrologia, filmes alternativos. Foi lá que assisti The Wall, Laranja Mecânica, O Encouraçado Potenkin.
Lembro da cantina, do almoço incomível, do indefectível lanche para tempos de dureza: X-Miséria, vulgo pão na chapa.
Lembro da primeira decisão moral: a classe inteira abandonou a sala quando um professor foi injusto com um colega.
Tínhamos eleição para diretor. O diretor possuía mandanto de 4 anos, após os quais, um novo diretor era eleito por voto direto. O voto direto não existia para presidente, mas para diretor da escola funcionava que era uma beleza.

mais, mais, mais
Era bom não ter preocupações. Talvez o melhor era ter a consciência de que eu não tinha preocupações. Afinal, passar de ano não é uma preocupação. As contas a pagar sim. O aluguel, a fatura do cartão, a faculdade, manter o emprego, ganhar a promoção, fazer o pé de meia. Isso sim, são preocupações. Era bom ter 15 anos, ter 16, 17. Era bom estar apaixonada por um garoto novo a cada semana. Tantas possibilidades, tantas coisas por acontecer me deixavam tonta, inebriada, meio bêbada. Queria o mundo todo de uma só vez e para sempre.

Aquela época foi inesquecível. Aquela escola foi incrível.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sessão Memória!
Bons tempos!

Anônimo disse...

oi Marisa! Que bom te ver por aqui. Como vai a vida? Obrigada pela indicação de livros!

Beijos!